Belém (PA) – No dia 7 de abril, várias caixas de e-mail no Brasil (e possivelmente em outras partes do mundo) receberam uma mensagem de uma liderança indígena feminina da nação Waorani, no Equador. Nemonte Nenquino, defensora da terra, escreveu da ‘Amazônia equatoriana’, como fez questão de ressaltar, para alertar sobre a tentativa do governo equatoriano de leiloar de forma discreta mais de 3 milhões de hectares de floresta intocada para empresas de petróleo. “Essa terra não está vazia, ela está viva. Ela pulsa com o cheiro da terra molhada pela chuva, a sabedoria dos mais velhos e o riso das nossas crianças. É o nosso lar”, exclamou Nemonte em sua mensagem. Ela também fez um aviso: “Se o governo conseguir o que deseja, nossas florestas vão desaparecer e a força vital que nos sustenta há séculos pode se perder para sempre. Por isso, iremos buscar justiça”.
Na mensagem, a jovem liderança anunciou que, em poucas semanas, os Waorani e outros povos indígenas do Equador marcharão até a capital do país, exigindo que a Corte Constitucional impeça a venda ilegal das terras indígenas. Nemonte enfatizou que os recursos necessários para essa luta são significativos e pediu doações para contratar advogados que contestem as licenças emitidas e para criar uma resistência indígena que defenda o que é sagrado. Além da questão dos Waorani, um aspecto notável é a força que as redes sociais podem ter em apoiar as demandas de povos tradicionais, incluindo os indígenas. Nemonte reconhece isso e utilizou uma ferramenta digital para amplificar sua voz.
Esse não é um caso isolado. Muitas vozes indígenas de diferentes países da América do Sul têm se manifestado nas redes sociais, expressando descontentamento e reivindicações em relação à organização da COP 30, que acontecerá em Belém, no Pará, no segundo semestre de 2025. Em teoria, essa seria uma oportunidade histórica para os povos indígenas da Amazônia, dada a importância da floresta no debate climático global. Contudo, a distância entre as demandas indígenas e o que está sendo discutido nos âmbitos oficiais do evento evidencia uma desconexão estrutural, que se mostra pela atuação de jovens lideranças indígenas nas plataformas digitais. Embora os povos indígenas sejam historicamente os principais defensores dos ecossistemas amazônicos, suas vozes frequentemente são marginalizadas nas conferências climáticas.
A COP geralmente se concentra em mercados de carbono, compromissos de desmatamento zero e soluções tecnológicas, enquanto as reivindicações indígenas vão além disso, incluindo a demarcação e proteção territorial como medidas essenciais para a preservação climática; o combate ao extrativismo predatório (como mineração, agropecuária extensiva e exploração madeireira); a autonomia sobre seus territórios e modos de vida como pilares da luta climática, além da necessidade de uma mudança na estrutura das negociações climáticas para incluir uma maior participação indígena nas decisões. No entanto, muitas dessas pautas continuam à margem das decisões oficiais, frequentemente sendo diluídas em discursos genéricos sobre “desenvolvimento sustentável” e “soluções de mercado”, que podem prejudicar comunidades indígenas ao promover políticas de compensação ambiental que não respeitam seus direitos territoriais.
Diante dessa exclusão, jovens lideranças indígenas têm utilizado as redes sociais como ferramentas de denúncia, mobilização e construção de narrativas alternativas sobre a crise climática. Elas desempenham um papel fundamental ao desconstruir discursos governamentais e corporativos que usam a COP para práticas de greenwashing (estratégia de marketing que promove uma imagem de sustentabilidade que não corresponde à realidade); pressionar autoridades e organizações internacionais pela inclusão das pautas indígenas; fomentar o debate público sobre a Amazônia e os impactos da COP 30 nas comunidades locais; e criar redes de apoio e alianças internacionais, dando visibilidade global às lutas indígenas.
Plataformas como Instagram, TikTok, X e YouTube têm sido utilizadas para disseminar informações, organizar protestos e produzir conteúdos educativos e mobilizadores. Assim, uma nova geração de comunicadores indígenas está desafiando as narrativas tradicionais sobre o meio ambiente e o papel dos povos originários. Lideranças como Alice Pataxó, Eric Marky Terena e Célia Xakriabá, por exemplo, destacam como empresas poluidoras financiam eventos da COP enquanto continuam a explorar territórios tradicionais. Ariana Susui, do povo Wapichana, é uma jornalista e cofundadora da Rede de Comunicadores Indígenas de Roraima Wakywaa, que promove a participação de jovens e mulheres nas discussões políticas, ambientais e educacionais.
Outros nomes como Kin Suruí, jovem do povo Paiter Suruí, e Cristian Arapiun, indígena da etnia Arapiun e comunicador do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA), têm se destacado na luta pelos direitos indígenas. Cristian, por exemplo, participou ativamente das recentes manifestações em Belém, contra as políticas excludentes do governador Helder Barbalho em relação à educação indígena. Há também Ayla Tapajós, uma jovem jornalista e mestranda em Direitos Humanos e Cidadania, que utiliza seu trabalho para dar visibilidade às lutas e conquistas dos povos indígenas no Brasil. Essas vozes têm se destacado cada vez mais no cenário digital brasileiro, contrapondo-se a outras que defendem pautas da direita e extrema-direita.
A COP 30, assim, expõe nas redes sociais as vozes que concordam ou discordam sobre o futuro climático-ambiental mundial. Porém, enquanto os discursos oficiais priorizam acordos entre governos e corporações, jovens lideranças indígenas estão usando as redes digitais para denunciar a distância entre essas discussões e suas demandas reais, evidenciando um abismo entre a retórica da sustentabilidade e a prática efetiva de justiça socioambiental. Nas plataformas digitais, jovens indígenas—como ativistas do Movimento Juventude Indígena, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e coletivos como a Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade)—têm exposto as contradições da COP 30.
Organizações como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que existe desde 1989, se tornaram espaços onde jovens comunicadores revitalizam a luta pela auto-representação em relação aos direitos dos povos indígenas. Com cerca de 80 jovens de 34 povos diferentes, a organização busca promover novas lideranças por meio da comunicação. A importância da comunicação também é o foco da Rede Wayuri, criada em novembro de 2017, que reúne comunicadores indígenas de várias etnias e se aprofunda no combate às fake news relacionadas aos indígenas, além de defender os direitos das populações tradicionais. Há ainda a Articulação Brasileira de Indígenas Jornalistas (Abrinjor), que discute a importância e os desafios de cobrir temas indígenas a partir de uma perspectiva própria, contando com mais de 50 membros de mais de 30 povos.
O ativista Takak Xikrin, jovem liderança do povo Xikrin do Katete, é uma voz crítica nas redes sociais. Ele afirma que os investimentos prometidos para os indígenas podem afetar diretamente suas culturas e modos de vida. “Muitos dizem que trarão soluções para a preservação da natureza, mas nós, indígenas, entendemos que isso não é bem assim”, destaca. Para ele, as lideranças indígenas são as que conhecem os problemas dentro dos territórios. “Mas nem sempre somos ouvidos, e sabemos que existem organizações que nos representam, mas às vezes não ecoam nossas vozes da forma correta”, critica. Nesse contexto, ele defende o uso das redes digitais como essencial. “Comunicadores indígenas têm o papel fundamental de divulgar a luta de nossos povos em defesa de nossos direitos e territórios, enquanto a mídia não indígena muitas vezes falha em retratar adequadamente nossa realidade”.
A ausência de vozes indígenas nas decisões estratégicas da COP reforça um modelo de governança climática excludente, que trata a Amazônia e os territórios indígenas como meros espaços de mitigação ambiental. Fortalecer o protagonismo indígena é crucial, pois esses povos protegem 80% da biodiversidade mundial e são atores centrais no combate às mudanças climáticas. Além disso, o conhecimento tradicional indígena oferece alternativas sustentáveis reais que se afastam das soluções mercadológicas promovidas nas COPs. Um ponto que deve ser enfatizado é que a Amazônia não pode ser debatida sem seus guardiões históricos, e a COP 30, realizada em Belém, deve assegurar esse espaço de fala. “O conhecimento tradicional pode ser a solução para preservar nossa Amazônia e a demarcação das terras indígenas pode ajudar a combater o desmatamento e o garimpo ilegal, que têm contribuído para a crise ambiental”, resume Takak.
Lucas Tupinambá, liderança tupinambá do baixo Tapajós, afirma que até o momento as lideranças indígenas do oeste do Pará não se sentem incluídas nas discussões da COP 30. “Estamos vendo os efeitos graves das mudanças climáticas, e é necessário que todos nós, povos tradicionais, façamos um pacto em defesa do nosso planeta, seja onde for”, ressalta. O “seja onde for” mencionado por ele inclui, evidentemente, o ambiente digital. “Nossa